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Para haver uma formação humanista e cidadã é preciso que a escola seja livre! (Autor: Cristiano Mezzaroba)


Desde 2014, embora sem tantos holofotes, o campo educacional brasileiro vem sofrendo implicações do campo político, iniciado pelo Procurador do Estado de São Paulo, Miguel Nagib, que criou, coordenou e divulgou o movimento que foi se ampliando sob o pretexto de várias “bandeiras” (ideológicas, religiosas, mercadológicas etc.), denominado Escola Sem Partido (ESP).

Assim, a Câmara dos Deputados passa a discutir, pelo Projeto de Lei 867/2015 (cujo relator é o Deputado Flavio Augusto da Silva/PSC-SP), aquilo que seria uma forma de censura aos professores e professoras brasileiros e limitaria a sua própria autonomia e liberdade de pensamento ao atuarem na educação de jovens e adultos, propagando um discurso de “neutralidade ideológica” diante da “doutrinação” que certos professores/as fazem em suas aulas (tipificando como “crime” o “assédio ideológico” em sala de aula).

Discutir ou pautar noções como de gênero, orientação sexual, preferências políticas e partidárias, por exemplo, passariam, sob a tentativa de legalização de tal proposta, a ser restritivos/proibidos diante de tal imposição “legal”.


Escola sem Partido


O movimento se espalhou, principalmente diante dos acontecimentos que envolveram o impeachment da Presidente Dilma Rousseff em 2016 e das eleições presidenciais em 2018, e também cresceu em polêmica, mas gerou uma resistência forte e organizada daqueles/as que atuam em escolas e universidades, alegando que não se trata de uma “Escola Sem Partido”, mas sim, uma “Escola Sem Liberdade” (como a iniciativa que elaborou o Manual de Defesa Contra a Censura nas Escolas, publicado em 2018 e disponível em: http://www.manualdedefesadasescolas.org/).

Podemos ver e conhecer um pouco mais desse tenso movimento no documentário “Escola Sem Censura” (https://www.youtube.com/watch?v=vejqvQyppnI), dirigido por Rodrigo Duque Estrada e Ricardo G. Severo, lançado ainda em 2018 pela Nomos Editora & Produtora Independente.

O ano de 2018 se findou e o projeto não foi votado pela Comissão da Câmara e temporariamente “engavetado”. Embora não tenha se tornado lei, é inegável que a proposta trouxe fortes impactos para a educação brasileira, principalmente no que se refere à qualidade da educação e no medo que seus profissionais passaram a sentir em relação à liberdade de expressão e de trato crítico em seus conteúdos.

Diante de tantos absurdos que o Brasil têm presenciado desde então, principalmente no que se refere às perseguições na educação, ciência e cultura – para citar apenas esses campos, dentre tantos outros – movimentos como a Escola Sem Partido, no âmbito federal, ou mesmo o Escola Livre (circunscrito ao estado de Alagoas) evidenciam que o país corre na contramão da possibilidade de uma melhora dos aspectos educacionais e formativos, porque impactam, via censura, medo, negacionismos e conservadorismos, na impossibilidade (ou dificuldade) de potencializar duas dimensões imprescindíveis àqueles que atuam e são impactados pela educação: a humanização e a cidadania.

Felizmente em agosto de 2020 o STF – Supremo Tribunal Federal brasileiro, formou maioria e decidiu posição contrária ao projeto alagoano que se inspira no Escola Sem Partido (https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/08/21/stf-tem-maioria-contra-lei-de-alagoas-inspirada-no-escola-sem-partido.htm), o que pode sinalizar uma importante posição da Corte brasileira em defesa de uma escola plural e aberta às diferenças, e, portanto, ao diálogo, e não a pretensa neutralidade que esconde a verdadeira doutrinação ideológica daquilo que é hegemônico.

É necessário que nos questionemos, sempre, sobre o papel da escola – e em contexto de pandemia, embora não havendo atividades presenciais, evidencia-se, todos os dias, via veículos midiáticos, a importância dos professores na vida dos alunos, a necessidade de valorização desses espaços que são de saberes, mas também de convívio, de afetos, de relações, de aprendizagem com o outro. Àqueles e àquelas que compõem o universo escolar, é necessário perguntar-se, constantemente, que escola queremos? O modismo do discurso da “neutralidade” na verdade se coloca a favor de quem? Quem realmente quer “doutrinar”? Fragmentar e superficializar conhecimentos favorece a quem? Por quê?

Questionar, refletir, duvidar, desvelar, resistir, conhecer, estudar, aprender, pesquisar, agir, conviver... lutar! Verbos sempre presentes para quem atua, via illusio, no campo da educação! O jogo segue diariamente, e como professores, nos tornamos cada vez mais humanistas e também ativistas da educação.



Cristiano Mezzaroba
Com formação em Educação Física e também em Ciências Sociais, ambos pela UFSC; mestrado em Educação Física (UFSC, 2006-2008) e doutorado em Educação (UFSC, 2014-2018), é professor, desde 2010, do Departamento de Educação Física da Universidade Federal de Sergipe, onde também atua, desde 2019, no Programa de Pós-Graduação em Educação (Linha Educação e Comunicação). Criou e coordena o GEPESCEF - Grupo de Estudos e Pesquisas Sociedade, Cultura e Educação Física (DEF/CCBS/UFS) e tem participado do Laboratório de Pesquisas Sociológicas Pierre Bourdieu (LAPSB/UFSC) e do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea (UFSC/CNPq).