Se há algo não conflitante nesse debate e nessas compreensões, é que sabemos que as informações produzidas e veiculadas pelo conjunto dessas mídias participa ativamente da configuração de modos de conhecimento e subjetivação, ajudando-nos a formar imagens e representações das questões que envolvem a vida, as “coisas”, as relações, o mundo de forma geral.
Não sejamos totalmente ingênuos em relação aos propósitos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, porque a pretensão de universalidade (algo comum) a todos homens e todas mulheres esconde a possibilidade de respeitar todas as diferenças quando identificamos particularidades nos povos humanos existentes, ou seja, a valorização da diversidade cultural. Se houver imposição de determinados valores, supostamente “universais”, a outros povos (diferentes da “minha cultura”), estaremos realizado um ato de etnocentrismo, determinando que todos os demais devem se basear em um “padrão” particular. Ou seja, tratar a cultura como algo universal é algo questionável, visto que as culturas são singulares, são particularidades, fazem parte de determinados povos (têm um significado relacionado) – para analisá-las, não precisamos “ter a mesma cultura”, mas sim “compreendê-las”, entendê-las como algo diferente (mas nem por isso, melhor ou pior).
Passadas mais de oito décadas da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e com o mundo mais globalizado, midiatizado e tecnologizado, a rapidez do trânsito de informações apresenta-se como algo ambíguo: ao mesmo tempo que nos ajuda em muitos aspectos, também se coloca como um novo problema a enfrentarmos, ou seja, é necessário que pensemos no direito à informação como um direito humano também!
Assim, opto por tecer algumas breves reflexões em torno de uma educação em direitos humanos (EDH) e possibilidades que a minha inserção profissional, como docente e pesquisador do campo da educação e comunicação me permite, pensando na (boa) informação como direito humano.
Pensar a educação em direitos humanos é trazer à discussão questões que envolvem minorias étnico-raciais, gênero, crianças, jovens, adultos, idosos etc., enfim, aquilo que se configura enquanto princípios fundamentais que configuram a EDH, que, segundo as Diretrizes Nacionais da EDH (2002), envolve: dignidade humana; igualdade de direitos; reconhecimento e valorização das diferenças e das diversidades; laicidade do Estado; democracia na educação; transversalidade, vivência e globalidade; e, sustentabilidade socioambiental.
Detenho-me àquilo ao qual estudo cotidianamente, que é pensar que, atualmente, o direito à informação vem se configurando também como um direito humano. Assim, pensamos a mídia como um espaço estratégico dentro dessa modalidade educacional, ou seja, as relações que envolvem o campo comunicacional com o campo educativo devem ser valorizadas no sentido de uma educação que considere os veículos midiáticos, enquanto produtores e veiculadores de produtos culturais que implicam em símbolos e significados que (des)educam a sociedade de modo geral.
Orofino (2005), em seu livro “Mídias e mediação escolar – Pedagogia dos meios, participação e visibilidade”, defende que pensar e atuar no contexto educacional requer conhecer teorias sobre mídia e comunicação, compreendendo que os processos realizados pela cultura midiática se caracterizam como um processo sócio-histórico.
Primeiramente é preciso reconhecer que todo lugar é lugar de EDH (não apenas o espaço formal da educação, como escolas e universidades), e o reconhecimento de articulações que envolvem a transversalidade no contexto educativo são construções históricas a partir de lutas sociais, envolvendo afirmações de valores que envolvem dimensões ética, política e social.
Certamente a proposição de Orofino (2005), quanto a uma pedagogia dos meios, baseada na pedagogia freireana de “leitura do mundo”, envolvendo uma alfabetização midiática que permita aos sujeitos não apenas consumirem o que é ofertado pela mídia, mas sentirem-se produtores ativos, reflexivos e criativos de produtos audiovisuais/textuais no sentido de transformação de seus universos socioculturais, envolve redimensionar a ideia que temos de protagonismo e de democratização da informação no contexto escolar.
Enquanto dimensão dos direitos humanos, entender a complexidade que envolve o aparato midiático, a construção e veiculação da informação, as ideologias presentes nos produtos culturais produzidos pela mídia em seu conjunto, possibilitará exercer o direito à cidadania, não de maneira ilusória ou na forma de uma democracia meramente representativa, mas devolvendo o aspecto participativo à democracia.
O momento em que vivemos no Brasil, de domínio da extrema-direita, sua política de destruição de direitos e de estimulação de conflitos de toda ordem, executados de forma diária pelos mais diversos sujeitos/poderes do Estado nacional, exige que aprendamos e valorizamos de forma cada vez mais intensa todos os princípios que envolvem os direitos humanos. E aos “donos da mídia” cabe também a reflexão de suas responsabilidades quanto ao papel que desempenham na sociedade: adiantará, depois de muito sofrimento, muita destruição e muitas mortes, elaborar editoriais (décadas depois) assumindo mea culpa pelas suas omissões?
*As reflexões foram possíveis pela minha participação na Jornada “Educação em Direitos Humanos”, realizada pela EaD Freireana, do Instituto Paulo Freire, realizada no mês de maio de 2020.
REFERÊNCIAS:
DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Disponível em: https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Pages/Language.aspx?LangID=por. Acesso em: 11 out. 2020.
OROFINO, Maria Isabel. Mídias e mediação escolar: pedagogia dos meios, participação e visibilidade. São Paulo: Cortez, Instituto Paulo Freire, 2005.
CRISTIANO MEZZAROBA
Com formação em Educação Física e também em Ciências Sociais, ambos pela UFSC; mestrado em Educação Física (UFSC, 2006-2008) e doutorado em Educação (UFSC, 2014-2018), é professor, desde 2010, do Departamento de Educação Física da Universidade Federal de Sergipe, onde também atua, desde 2019, no Programa de Pós-Graduação em Educação (Linha Educação e Comunicação). Criou e coordena o GEPESCEF - Grupo de Estudos e Pesquisas Sociedade, Cultura e Educação Física (DEF/CCBS/UFS) e tem participado do Laboratório de Pesquisas Sociológicas Pierre Bourdieu (LAPSB/UFSC) e do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea (UFSC/CNPq).
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