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O direito à informação como Direito Humano (Autor: Cristiano Mezzaroba)


        Muito se tem falado sobre fake News (notícias falsas) e sobre o quanto elas têm dificultado processos que ocorrem no interior das dinâmicas sociais, políticas, comunicacionais e culturais desse nosso modo moderno de viver. Também ouvimos quanto às abordagens dos veículos midiáticos, sejam eles “tradicionais” (como mídia impressa, rádio, televisão) ou “digitais” (a partir das múltiplas possibilidades que a internet proporciona em aglutinar todas as outras mídias), suas supostas neutralidades, suas posições ideológicas e seus interesses mercadológicos.

Se há algo não conflitante nesse debate e nessas compreensões, é que sabemos que as informações produzidas e veiculadas pelo conjunto dessas mídias participa ativamente da configuração de modos de conhecimento e subjetivação, ajudando-nos a formar imagens e representações das questões que envolvem a vida, as “coisas”, as relações, o mundo de forma geral.


Quando a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), proposta pela ONU – Organização das Nações Unidas, em 1948, logo após a Segunda Guerra Mundial, foi elaborada, a sua conotação bastante humanista preponderava em seus artigos, pregando, entre outros “direitos”, a liberdade, a justiça, a paz e a dignidade. A Assembleia Geral da ONU proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos “[...] como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional” (DUDH, 2020).

Não sejamos totalmente ingênuos em relação aos propósitos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, porque a pretensão de universalidade (algo comum) a todos homens e todas mulheres esconde a possibilidade de respeitar todas as diferenças quando identificamos particularidades nos povos humanos existentes, ou seja, a valorização da diversidade cultural. Se houver imposição de determinados valores, supostamente “universais”, a outros povos (diferentes da “minha cultura”), estaremos realizado um ato de etnocentrismo, determinando que todos os demais devem se basear em um “padrão” particular. Ou seja, tratar a cultura como algo universal é algo questionável, visto que as culturas são singulares, são particularidades, fazem parte de determinados povos (têm um significado relacionado) – para analisá-las, não precisamos “ter a mesma cultura”, mas sim “compreendê-las”, entendê-las como algo diferente (mas nem por isso, melhor ou pior).

Passadas mais de oito décadas da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e com o mundo mais globalizado, midiatizado e tecnologizado, a rapidez do trânsito de informações apresenta-se como algo ambíguo: ao mesmo tempo que nos ajuda em muitos aspectos, também se coloca como um novo problema a enfrentarmos, ou seja, é necessário que pensemos no direito à informação como um direito humano também!

Assim, opto por tecer algumas breves reflexões em torno de uma educação em direitos humanos (EDH) e possibilidades que a minha inserção profissional, como docente e pesquisador do campo da educação e comunicação me permite, pensando na (boa) informação como direito humano.

Pensar a educação em direitos humanos é trazer à discussão questões que envolvem minorias étnico-raciais, gênero, crianças, jovens, adultos, idosos etc., enfim, aquilo que se configura enquanto princípios fundamentais que configuram a EDH, que, segundo as Diretrizes Nacionais da EDH (2002), envolve: dignidade humana; igualdade de direitos; reconhecimento e valorização das diferenças e das diversidades; laicidade do Estado; democracia na educação; transversalidade, vivência e globalidade; e, sustentabilidade socioambiental.

Detenho-me àquilo ao qual estudo cotidianamente, que é pensar que, atualmente, o direito à informação vem se configurando também como um direito humano. Assim, pensamos a mídia como um espaço estratégico dentro dessa modalidade educacional, ou seja, as relações que envolvem o campo comunicacional com o campo educativo devem ser valorizadas no sentido de uma educação que considere os veículos midiáticos, enquanto produtores e veiculadores de produtos culturais que implicam em símbolos e significados que (des)educam a sociedade de modo geral.

Orofino (2005), em seu livro “Mídias e mediação escolar – Pedagogia dos meios, participação e visibilidade”, defende que pensar e atuar no contexto educacional requer conhecer teorias sobre mídia e comunicação, compreendendo que os processos realizados pela cultura midiática se caracterizam como um processo sócio-histórico.

Primeiramente é preciso reconhecer que todo lugar é lugar de EDH (não apenas o espaço formal da educação, como escolas e universidades), e o reconhecimento de articulações que envolvem a transversalidade no contexto educativo são construções históricas a partir de lutas sociais, envolvendo afirmações de valores que envolvem dimensões ética, política e social.

Certamente a proposição de Orofino (2005), quanto a uma pedagogia dos meios, baseada na pedagogia freireana de “leitura do mundo”, envolvendo uma alfabetização midiática que permita aos sujeitos não apenas consumirem o que é ofertado pela mídia, mas sentirem-se produtores ativos, reflexivos e criativos de produtos audiovisuais/textuais no sentido de transformação de seus universos socioculturais, envolve redimensionar a ideia que temos de protagonismo e de democratização da informação no contexto escolar.

Enquanto dimensão dos direitos humanos, entender a complexidade que envolve o aparato midiático, a construção e veiculação da informação, as ideologias presentes nos produtos culturais produzidos pela mídia em seu conjunto, possibilitará exercer o direito à cidadania, não de maneira ilusória ou na forma de uma democracia meramente representativa, mas devolvendo o aspecto participativo à democracia.

O momento em que vivemos no Brasil, de domínio da extrema-direita, sua política de destruição de direitos e de estimulação de conflitos de toda ordem, executados de forma diária pelos mais diversos sujeitos/poderes do Estado nacional, exige que aprendamos e valorizamos de forma cada vez mais intensa todos os princípios que envolvem os direitos humanos. E aos “donos da mídia” cabe também a reflexão de suas responsabilidades quanto ao papel que desempenham na sociedade: adiantará, depois de muito sofrimento, muita destruição e muitas mortes, elaborar editoriais (décadas depois) assumindo mea culpa pelas suas omissões?


*As reflexões foram possíveis pela minha participação na Jornada “Educação em Direitos Humanos”, realizada pela EaD Freireana, do Instituto Paulo Freire, realizada no mês de maio de 2020.


REFERÊNCIAS:

DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Disponível em: https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Pages/Language.aspx?LangID=por. Acesso em: 11 out. 2020.

OROFINO, Maria Isabel. Mídias e mediação escolar: pedagogia dos meios, participação e visibilidade. São Paulo: Cortez, Instituto Paulo Freire, 2005.


CRISTIANO MEZZAROBA

Com formação em Educação Física e também em Ciências Sociais, ambos pela UFSC; mestrado em Educação Física (UFSC, 2006-2008) e doutorado em Educação (UFSC, 2014-2018), é professor, desde 2010, do Departamento de Educação Física da Universidade Federal de Sergipe, onde também atua, desde 2019, no Programa de Pós-Graduação em Educação (Linha Educação e Comunicação). Criou e coordena o GEPESCEF - Grupo de Estudos e Pesquisas Sociedade, Cultura e Educação Física (DEF/CCBS/UFS) e tem participado do Laboratório de Pesquisas Sociológicas Pierre Bourdieu (LAPSB/UFSC) e do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea (UFSC/CNPq).



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