Pensar o contexto de atuação profissional dos professores e professoras tem sido, já há algum tempo, tarefa incessante e imprescindível porque implica nas possibilidades de melhora da qualidade educacional e na transformação das condições de vida de uma população.
Muito se fala – e há muito tempo – que precisamos investir energia material, humana e econômica no campo das políticas públicas educacionais para que, no presente, possamos garantir oportunidades de futuro às crianças e jovens. O que temos visto é um presente cada vez mais limitado para um futuro desesperançoso, embora saibamos que chegamos num momento da Humanidade em que as mídias e tecnologias colocam-se cada vez mais como recursos potenciais de interação humana, de entretenimento, mas também de possibilidades educacionais e formativas (a própria urgência e limitações da pandemia de covid-19 expõe e testa tal hipótese).
Nossos corpos são mídias primárias: comunicamo-nos corporalmente, mas fazemos uso de nossa voz e nossa gestualidade para dialogar, comunicar, informar, atuar com/sobre o “outro”. Construímos ao longo da história humana um conjunto de meios que foram nos permitindo comunicar sob a forma impressa, depois radiofônica, por fotografia, depois com imagens em movimento (cinema) e também pela televisão. Na segunda metade do Século XX, com o advento da internet, fizemos o mundo tornar-se algo possível de ser conhecido dentro de nossas casas, sob nossos comandos e a partir de nossos gostos e vontades.
Assim como esses recursos foram evoluindo e sendo aperfeiçoados, também vimos eles sendo cada vez mais fáceis de serem acessados em suas materialidades: de grandes caixas televisores, hoje temos telas super finas; de computadores do tamanho de uma sala, hoje temos notebooks ultra-finos e, mesmo, aparelhos smartphones que cabem em nossos bolsos e com uma tecnologia de ponta.
Mas como podemos pensar em todas essas questões tecnológicas e midiáticas em relação ao contexto educacional e formativo? Temos visto uma exacerbação do uso de equipamentos tecnológicos no dia a dia das pessoas, reiteradamente defende-se que os mesmos propiciam experiências de imersão virtual e de facilitação às “coisas” do cotidiano que outrora não seria possível. Sabemos de suas possibilidades e potencialidades: mas por que elas são pouco difundidas ou testadas ou experimentadas quando trazemos essas questões para aqueles que lidam no dia a dia escolar/formativo? Poderíamos pensar no professor como um agente envolvido com a tarefa de “experimentar-se” com as tecnologias digitais de informação e comunicação no sentido de atuar com fins a uma educação transformadora quando a educação escolar parece perder importância diante daquilo que a cultura midiática oferece às crianças e jovens?
Nesta reflexão, opero a possibilidade de considerar o professor como um agente que se coloca como investigador de suas próprias práticas, ou seja, a perspectiva do “professor-pesquisador” proposta por Stenhouse (1975;1991), como aquele sujeito com a tarefa educacional com a consciência de que deve ser um intelectual de suas práticas, que reflete sobre suas ações, transformando suas práticas em objetos de investigação – ampliando sentidos e significados da prática pedagógica aos seus sujeitos, os alunos e alunas. Para isso, poderíamos pensar num trabalho com as mídias e tecnologias, pois as mesmas, hoje, são mais acessíveis e interferem diretamente no cotidiano das crianças, jovens e adultos.
Lembremos que Anísio Teixeira, em 1963, em texto para uma conferência, pensou quanto aos “Mestres de amanhã”, professores de escola que seriam os “mestres dos dias vindouros”, pois, naquele momento, considerava que as transformações da “fase nova da civilização chamada industrial” estava gerando uma “explosão contemporânea dos conhecimentos” e a tecnologia se desenvolvia, complexificando a sociedade moderna.
Atemporalmente, como podemos ver, Anísio Teixeira considerava, ainda no começo da década de 1960, que os meios de comunicação “[...] se fizeram recursos para a propaganda e a diversão comercializada, quando não para o condicionamento político e ideológico do homem.” (TEIXEIRA, 1963).
Para o pensador brasileiro, a expansão dos meios de comunicação – e devemos considerar que isso só se ampliou e intensificou – como a imprensa, o rádio, a televisão, o cinema, e aqui incluiríamos a internet, faz com que o professor (chamado por ele como “mestre”) vá perdendo a imagem e o poder que tradicionalmente lhe foi vinculado de alguém que domina e transfere um conhecimento.
Segundo Anísio Teixeira (1963), “Cada meio novo de comunicação alarga o espaço dentro do qual vive o homem e torna mais impessoal a comunicação, exigindo, em rigor, do cérebro humano compreensão mais delicada do valor, do significado e das circunstâncias em que a nova comunicação lhe é feita.”
Aproximando a nossa realidade atual, em que estamos imersos em tecnologias – embora não devemos desconsiderar nossas desigualdades sociais, econômicas e educacionais – com o que Anísio Teixeira já previa, torna-se necessário que àqueles que atuam no contexto escolar tenham autonomia, consciência e liberdade de experimentação em torno da possibilidade de uma escola que seja intelectualmente e formativamente ambiciosa, apta a tentar e se arriscar, ao menos, a “oferecer uma educação à altura do desafio dos nossos tempos”, como diria Anísio Teixeira (1963). Trata-se de uma tarefa difícil e complexa, porém necessária!
Não se trata, também, de querer transformar o professor num cientista, mas permitir que ao experimentar-se com as mídias e tecnologias, o mestre seja alguém “estimulador e assessor do estudante, cuja atividade de aprendizagem deve guiar, orientando-o em meio às dificuldades de aquisição das estruturas e modos de pensar fundamentais da cultura contemporânea de base científica em seus aspectos físicos e humanos.” (TEIXEIRA, 1963).
A pandemia chegou e trouxe novamente as ideias de Anísio Teixeira para que aqueles que atuam no campo educacional, ao lidar com a urgência do momento, experimentem, testem, reflitam e avaliem as possibilidades e limitações tecnológicas e midiáticas, principalmente quanto à recolocação do papel do(a) professor(a) na importância dos sistemas de ensino e na vida das crianças e jovens sob sua mediação.
REFERÊNCIAS
STENHOUSE, Lawrence. An introduction to curriculum research and development. Londres: Heinemann, 1975.
STENHOUSE, Lawrence. Investigación y desarrollo del curriculum. Madrid: Morata, 1991.
TEIXEIRA, Anísio. Mestres de amanhã. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v. 40, n. 92, out./dez. 1963. p.10-19. Disponível em: http://www.bvanisioteixeira.ufba.br/artigos/mestres.html Acesso: 17 jul. 2020.
"Reflexões produzidas a partir da realização do Curso 'Jornada Mestres do Amanhã', do Instituto Paulo Freire, entre julho e agosto de 2020"
CRISTIANO MEZZAROBA
Com formação em Educação Física e também em Ciências Sociais, ambos pela UFSC; mestrado em Educação Física (UFSC, 2006-2008) e doutorado em Educação (UFSC, 2014-2018), é professor, desde 2010, do Departamento de Educação Física da Universidade Federal de Sergipe, onde também atua, desde 2019, no Programa de Pós-Graduação em Educação (Linha Educação e Comunicação). Criou e coordena o GEPESCEF - Grupo de Estudos e Pesquisas Sociedade, Cultura e Educação Física (DEF/CCBS/UFS) e tem participado do Laboratório de Pesquisas Sociológicas Pierre Bourdieu (LAPSB/UFSC) e do Núcleo de Estudos e Pesquisas Educação e Sociedade Contemporânea (UFSC/CNPq).
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ResponderExcluirReflexão pertinente e necessária, Cristiano. Ao trazer à memória as palavras e o pensamento de Anísio Teixeira para nosso contexto educacional de hoje, percebemos que há muitas possibilidades para o uso das tecnologias e para essa realocação menos do docente e mais de sua postura pedagógica. A ideia do mestre ignorante de Rancière talvez fortaleça ainda mais tais possibilidades. Parabéns pelo texto!
ResponderExcluirMuito bom! Texto bastante reflexivo. ����
ResponderExcluirReflexão muito interessante. O "tsunami digital" referenciado por Lucia Santaella, deixa claro que tudo está se tornando e tende a se tornar digital. Demonstrando a necessidade de uma transição urgente do modelo educacional tradicional (em crise) por modelos pautados em metodologias ativas de ensino aprendizagem, que leve em consideração as "múltiplas e variadas mediações de linguagens". Mas, para que essa transformação educacional aconteça é necessário dar suporte para a transformação do agente transformador. Como o Cristiano citou "sem desconsiderar nossas desigualdades sociais, econômicas e educacionais". Parabéns pelo texto!👏👏👏
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