A trajetória da hominização
começa a partir da relação do homem com o meio ambiente, o momento
em que o mesmo se identifica em posição oposta a natureza, externa. Suas necessidades imediatas passam pelo sentido de segurança
e de sobrevivência em busca de “conforto”. Podemos
entender o conforto como a necessidade voltada para o combate do
frio, umidade etc. O desenvolvimento da capacidade de enfrentar a natureza e seus desafios passa do combate direto para o processo de
transformação da natureza. Em uma história linear e progressista
se identificam vínculos com a natureza pelo temor ao desconhecido,
logo os mitos e deuses tomam forma dos elementos e das mais diversas
manifestações.
As eras
passam e a relação que o homem desenvolve
com a natureza externa a ele
intensifica-se
com momentos de maior dependência em períodos de escassez. Momentos
estes que
estavam ligados a própria sazonalidade do meio ambiente. Edgar
Morin nos faz pensar que o sentido de global só aparece no final do
século XV com as grandes navegações e explorações. Momento de
novas descobertas que marcam a superação da natureza, pois o
homem circula por espaços antes não imaginados. O próprio conceito
de terra como uma esfera, um globo, é transformada neste período
histórico, os últimos temores sobre a natureza se esvaem e o homem
torna-se soberano de si mesmo e, principalmente, da terra como um
todo. "Eis, portanto os começos do que chamamos Tempos Modernos, e que deveria chamar-se era planetária. A era planetária começa com a descoberta de que a terra não é senão um planeta e com a entrada em comunicação das diversas partes desse planeta" (MORIN, 2002, p. 21).
Essa
nova situação colocou em contato
civilizações e povos diversos, culturas que desenvolveram de
maneira singular uma relação com o ambiente. Novos conhecimentos
são apreendidos e servem de trampolim para outros mais. O cerne da
nova ciência é a possibilidade de ampliar os saberes e de controlar
a natureza, ou no mínimo reproduzi-la.
As novas necessidades de uma
população global se alteram e criam-se expectativas e interesses,
as relações de produção que outrora eram voltadas para
subsistência ganham magnitudes, já não se produz para si, é
necessário produzir para muitos outros. A ciência contínua seus
avanços e descobertas, com base no conceito de que “nada se cria
tudo se transforma” são introduzidos e a necessidade de conhecer a
especificidade é o eixo central. A natureza externa passa
a ser um produto a ser trabalhado para
“beneficio” de todos. O desencantamento do mundo (Weber) e o
esclarecimento (Adorno) são conceitos que ilustram a relação que o
homem acaba por desenvolver com a natureza, os últimos resquícios
dos mitos são substituídos pela ciência que assume seu lugar
através do conhecimento e reconhecimento que adquire sobre os
fenômenos da natureza e sua transformação. "Assim, os desenvolvimentos
disciplinares das ciências não só trouxeram as vantagens da
divisão do trabalho, mas também os inconvenientes da
superespecialização, do confinamento e do despedaçamento do saber.
Não só produziram o conhecimento e a elucidação, mas também a
ignorância e a cegueira" (MORIN, 2003, p. 15).
O homem ao colocar a ciência
como norteadora de sua vida definiu um risco a sua própria
existência. A transformação da matéria-prima fornecida pela
natureza para transformação em produtos para consumo, acarreta
mudanças no meio ambiente. Alterações de curso de rios, elevação
de vales, achatamento de montanhas e desmatamento são efeitos
visíveis, além de inúmeros recursos extraídos e não são
visíveis, mas afetam a vida e a sociedade moderna. A migração do
campo para cidade faz com que cresça a aglomeração nos centros
urbanos, possibilita a ampliação de monoculturas que se estendem
por grandes extensões de terra mudando a paisagem em várias
regiões. Anteriormente, as pessoas tinham a possibilidade no campo
ou em áreas mais afastadas dos centros urbanos de trabalharem para
própria subsistência, atualmente, tudo que é consumido deve vir de
origem industrial, isto é, transformado.
A ciência como legitimadora
do certo e errado articula com órgãos burocráticos e de controle,
no caso a vigilância sanitária, descontinuando até mesmo pequenas
criações para subsistência. A alegação é o risco à saúde
pública devido a parasitas, mas a fiscalização sobre a
extração grotesca junto à natureza e que põe em perigo a
existência da humanidade não recebe
o mesmo peso no conceito de saúde
pública.
O estatuto que determinadas
especialidades adquiriram no desenrolar dos anos justifica tais
atitudes em algumas áreas, porém,
acabam por esquecer outras. A ciência,
ou melhor, o conhecimento também agora é produto vendável e de
alto valor, ser expert em algo supostamente assegura uma vida
de conforto. Interessante que acabamos voltando para o instante em
que o homem em busca de conforto e segurança se retira da natureza
primeira e parte em busca de dominá-la.
O questionamento a ser feito
está na relação homem e natureza pautada pelo domínio e uso do
primeiro sobre a segunda. A maneira que a humanidade constrói seu
conhecimento não faz com que perceba sua dependência do planeta
que a acolhe. É necessária uma mudança no ensino, a maneira de
pensar a educação não deve ser pautada apenas na necessidade de
especialistas, deve ser pensada na formação diletante e holística
dos indivíduos.
Um grande intelectual contemporâneo Edgar Morin, evoca o desafio atual da globalidade
como um desafio da complexidade, devemos entender que quanto mais
planetários se tornam os problemas, mais inseparáveis da humanidade
eles se tornam. A capacidade intelectual (ciência) sendo incapaz de
perceber o contexto e a complexidade planetária tende a tornar-se
irresponsável. Portanto, a cultura humanística busca libertar o que
há de melhor no sujeito, seus sonhos, aspirações, preocupações e
solidariedade, a cultura cientifica separa e fragmenta as partes
isolando-as em caixas de conhecimento. Em contrapartida, amplia as
possibilidades humanas, mas, infelizmente, acaba por não refletir
sobre o destino humano. Sua ênfase está na frase: “A reforma
do ensino deve levar a reforma do pensamento, e a reforma do
pensamento deve levar a reforma do ensino” (MORIN, 2003, p.
20). Isto representa uma cabeça bem-feita e não uma
cabeça bem-cheia, tal possibilidade traz a capacidade de melhor
organizar os conhecimentos, não apenas isolando com o intuito de
acumular, seu objetivo é a ampliação de horizontes por meio do
qual o sujeito percebe o alcance de suas mãos, ou melhor, suas
ações. Pois, cada ação reflete no todo, mesmo que a ação possa
parecer isolada.
Pensar os desafios para
educação do futuro, tendo por base o pensamento do Edgar Morin, nos faz refletir que
um percurso longo está à espera para ser percorrido. No processo de
secularização a educação desenvolve-se com um projeto
racionalista e, atualmente, possui seu foco na formação tecnicista.
O conhecimento torna-se especializado e consequentemente o
reconhecimento também está atrelado ao mesmo, pois, os sujeitos
buscam dentro do que entendemos como sociedade, a ascensão por meio
da aquisição de uma formação para exercer e viver sua vida
cotidiana.
No entanto, a proposta do
autor é alertar para fragmentação do conhecimento e a falta de
percepção da complexidade das interações que o sujeito realiza.
Mais do que ser um sujeito único no sentido de sua individualidade
ele é peça de um todo e é transpassado pelo todo. Suas ações
são integradas e integrantes de uma complexidade maior do que a
observada pelo sujeito. Este é o desafio da educação do futuro
despertar os sujeitos para compreenderem mais do que podem ver com
seus próprios olhos e do lugar onde se encontram.
Ao
procurarmos fazer com que as várias disciplinas se relacionem de
maneira interdisciplinar como um modelo ideal para a resolução dos
problemas, arriscamos acabar por não perceber que
continuamos assumindo a divisão das disciplinas e que apenas
queremos colocá-las em diálogo. Devemos questionar o próprio modelo
de ciência que resulta em especialistas/experts, pois “descobrimos,
porém, que a ciência também pode produzir ignorância, pois o
conhecimento fecha-se na especialização” (MORIN, 2002,
p. 10). Pensar a complexidade é identificar o
conhecimento e não os conhecimentos. A cabeça bem feita não é
fomentada em terra arrasada! A cabeça bem feita se desenvolve
concomitante à natureza, respeitando seus limites e potencialidades.
Isto é, necessitamos ainda durante nossa formação aprender a ter
outra relação com a natureza. Uma brincadeira simples de criança
mostra nossa ação atual, exemplo a construção de castelos de
areia que logo depois são destruí-los, é a manifestação de como
nos comportamos frente a natureza, nós criamos, destruímos e
criamos de novo. Neste processo cristalizamos a relação de domínio
e a imagem de que o recurso simplesmente volta a estar à disposição
sempre que queremos e de maneira inesgotável.
Necessitamos
aceitar a proposta de Morin e reformular nossa relação com a
natureza e o nosso conhecimento. A cabeça bem feita é uma
construção nova ou um religar, um retornar. Precisamos retroceder
ao momento que nos separamos da natureza, quando conscientemente
decidimos transformar ela em coisa. Existe a necessidade de entender
que somos parte da natureza tanto quanto os minerais, animais e vegetais.
Devemos absorver tal entendimento em tenra idade e não deixar que se
consolide através de categorias nas quais não fazemos parte, pelo
simples fato de termos a razão como diferencial. A racionalidade nos
trouxe até aqui, mas ao persistimos em seu extremo, dando ênfase à
racionalização das nossas atitudes e ações, portanto, será ainda
mais insustentável nosso conhecimento em busca de conforto.
Referências:
MORIN,
Edgar. Terra-Pátria. Porto Alegre. Porto Alegre: Sulina,
2002.
MORIN,
Edgar. A cabeça
bem-feita: repensar
a reforma, reformar o pensamento. RJ: Bertrand Brasil, 2003.